CORONAVÍRUS (Covid-19) E OS CONTRATOS

No dia 11 de março de 2020, diante do aumento significativo de casos do coronavírus e a disseminação global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do covid-19.

A partir desta data, vários países intensificaram as ações de combate à este vírus, inclusive no Brasil. Não somente no âmbito Nacional, mas Estadual e Municipal, onde as consequências ultrapassarão, sem sombra de dúvidas, a esfera da saúde, atingindo de cheio a economia e o dia a dia das empresas.

As medidas de combates que foram sendo implantadas no País, fecharam comércios, restringiram o funcionamento de empresas e restringiram circulação de pessoas, paralisando de forma inconteste o faturamento destas empresas.

Essas empresas fechadas, geram no mínimo dois problemas graves: 1º) impossibilidade de produzir (fabricar), executar serviços ou entregas de produtos ou mercadorias já vendidas – consequentemente inexecução contratual, e 2º) falta de faturamento – sem faturamento não conseguem pagar seus funcionários, fornecedores, etc., levando-os a inadimplirem contratos.

Neste momento a pergunta que se vem é: O que fazer? Quais os direitos dessas empresas?

Quero analisar os contratos na perspectiva de como as empresas poderá lidar com essa situação. Nesta esteira estamos, portanto, tratando dos contratos de: Contratos de compra e venda ou a Promessa de Compra e Venda, Contrato de Empréstimo Bancários (Mútuo), Contratos de Financiamentos (veículos, máquinas, equipamentos, etc), Contrato Prestação de serviços, Contrato de Seguros, Contratos de Consumo, dentre outros.

Todos são contratos bilaterais que são aqueles contratos que geram obrigações para ambos os contraentes, como aqueles do tipo tradicional, em que as partes discutem livremente as condições porque se encontram em condições de igualdade e os contratos de adesão, onde não se permite essa liberdade de tratativas na elaboração do contrato, mas existe a obrigação de adimplemento, como os de energia elétrica, agua e telefonia.

Outra questão importante diz respeito se as partes contratantes estão submetidas a legislação brasileira, porque estamos tratando de contratos elaborados de acordo com nosso ordenamento jurídico.

Feito essas considerações, gostaria de tratar de três princípio do direito civil que se aplica ao caso.

Teoria da Imprevisão: De forma bem resumida, a teoria da imprevisão consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão de um contrato, em decorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários, que torna onerosa ao extrema para uma das partes o cumprimento do contrato, conhecido na doutrina como “rebus sic stantibus”.

Para elucidar melhor a teoria da imprevisão, o jurista Carlos Roberto Gonçalves, escreveu:

“Entre nós, a teoria em tela foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, em sua obra Caso fortuito e teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade, para possibilitar a sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário, para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais não aceitam a inflação e alterações na economia como causa para a revisão dos contratos. Tais fenômenos são considerados previsíveis entre nós. A teoria da imprevisão consiste, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa — o que, na prática, é viabilizado pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus, inicialmente referida”. (Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3, 6ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 30-31).

Não por outra razão que o Código Civil atual se pautou em uma visão voltada ao social, adotando na seara contratual a cláusula “Rebus sic Standibus”, com o objetivo de relativizar a aplicação do princípio da “Pact Sunt Servanda”.

Veja o que diz os principais artigos no nosso Código Civil sobre essa teoria:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Fato superveniente: Numa síntese em relação ao fato superveniente, que guarda semelhanças a teoria da imprevisão, importante consignar que a superveniência de circunstância imprevisível não está atrelada ao resultado do negócio contratado ser positivo ou negativo, pois qualquer um está arriscado a contratar e constatar a existência de prejuízos, mas sim está ligada a existência de algo imprevisível pelas partes ou seja aquela imprevisibilidade que torna a prestação extremamente difícil.

Entre os fatos supervenientes estão aqueles resultantes da vontade das partes ou de apenas uma delas, como acontece na resilição (que é o desfazimento de um contrato por simples manifestação de vontade, de uma ou de ambas as partes) ou por fatos posteriores ao inadimplemento do devedor ou na onerosidade excessiva da prestação, como ocorre na resolução (que é o meio de dissolução do contrato em caso de inadimplemento culposo ou fortuito).

Força maior:  Na mesma linha da simplificação do conceito, a força maior é todo acontecimento/fato resultante de alguma forma, da vontade humana que embora previsível não seja possível evitar. Ou seja, são fatos que advém de acontecimento externos e que afetam o contrato.

E, diante desse acontecimento de força maior, o Código Civil, estabeleceu que:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Desta forma, ficou consignado em nosso ordenamento jurídico que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, complementarmente, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.

Analisado esses três princípios do direito civil que se aplica ao caso, observa-se que todos tratam da possibilidade de que um contrato seja alterado, em que pese a obrigatoriedade que existe entre as partes contratantes, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra, haverá a necessidade de um ajuste neste contrato.

Assim, entendemos que a situação atual em decorrência da pandemia declarada em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é fato publico e notório, corroborado com:

  • Lei 13.979 de 06/02/2020 – Que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
  • Portaria Interministerial N. 5 de 17/03/2020 – Que dispõe sobre a compulsoriedade das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.
  • Decreto Legislativo N. 6 de 20/03/2020 – Que reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.
  • Decretos e Portarias Estaduais – Que tenham de alguma forma restringindo a atuação de empresas.
  • Decretos e Portarias Municipais – Que tenham de alguma forma restringindo a atuação de empresas.

São provas contundentes, que permitem a resilição, resolução ou a renegociação de contratos vigentes a época da aplicabilidade dessas medidas de combate ao coronavírus.

Entretanto a utilização de qualquer remédio jurídico deste para ser utilizado na empresa, requer uma análise cuidadosa por um Advogado especialista, porque algumas questões devem ser observadas, por exemplo:

  1. Para se beneficiar da regra do art. 393 CC, deve existir um impedimento que seja real e comprovado, que justifique a impossibilidade de cumprimento daquilo que foi pactuado em contrato, não pode ser sobre qualquer pretexto;
  2. O impedimento, mesmo que exista, se for apenas temporário, o cumprimento da obrigação deverá, a princípio, ser suspenso, salvo se o atraso dele resultante justificar a rescisão do contrato. Se o impedimento for definitivo, o contrato, em regra, deverá ser rescindido, restabelecendo-se, sempre que possível, o status quo ante;
  3. Precisa analisar se no contrato já não estava previsto esse tipo de ocorrências imprevisíveis e com regras a serem observadas neste caso.

Em regra geral, podemos concluir que os problemas gerados pelo covid-19, que repercutirem nos contratos, ensejam causas que permitiram juridicamente a resilição, resolução ou a renegociação de contratos vigentes, mas somente a análise individualizada será possível descrever a solução viável.

 

MARINHO MENDES SOCIEDADE DE ADVOGADOS
Excelência em Advocacia

Siga Nossa Redes Sociais:

Marinho Mendes Facebook  Marinho Mendes Instagram-icons      

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *